O surdo bilíngue
Procurando
fugir da necessidade de optar entre uma língua de base visoumanual – que evidencia
a surdez e, portanto, a deficiência e a diferença – e outra da base audioverbal
– que reflete a normalidade -, surge uma possibilidade de resolver o conflito:
proporcionar a aquisição das duas línguas para o surdo e torna-lo um bilíngue.
Para tanto, os principais responsáveis pelos surdos – seus pais- devem
possibilitar à criança meios de adquirir tais línguas. Levar o filho para
interagir com adultos surdos proficientes em língua de sinais enquanto eles
próprios devem fazer aulas para adquirir essa língua e, juntamente, realizar
protetização precoce e submeter a criança à terapia fonoaudióloga, a fim de que
desenvolva também a fala. Contudo, segue a dúvida: em casa, os pais devem falar
ou usar a língua de sinais? Eles são orientados para se comunicar com o filho
em língua de sinais, mas também por meio da fala. Dessa forma, encontram um
meio termo, misturam as duas línguas. Qual a repercussão disso na aquisição da
língua da criança adulta?
O
bilinguismo na surdez surgiu na década de 1980. A fundamentação dessa abordagem
é o acesso da criança, o mais precocemente possível, à língua de sinais e à
linguagem oral. No entanto, ambas não devem ser assimiladas simultaneamente,
dada a diferença estrutural entre elas. A língua de sinais (L1, primeira língua)
deve ser adquirida por meio da interação entre a criança e o adulto surdo, e a
língua na modalidade oral será fornecida à criança pelo adulto ouvinte,
surgindo como segunda língua (L2), teoricamente baseada nas habilidades
linguísticas já desenvolvidas pela primeira língua. Dessa forma, o surdo pode
apresentar um desenvolvimento linguístico-cognitivo paralelo ao verificado na
criança ouvinte. Além disso, pode haver interação harmoniosa entre ouvintes e
surdos, havendo acesso às duas línguas: a de sinais e a da “comunidade ouvinte”
(Moura, 1993).
O
bilinguismo inaugura um novo debate na área da surdez: ele defende a primazia
de uma língua sobre a outra ou seja , da língua de sinais sobre a língua
portuguesa, antes aprendida simultaneamente, na comunicação total, ou
isoladamente – a linguagem oral, no oralismo, ou a língua de sinais, quando se
afirmava que o surdo não aprenderia jamais a falar. Essa primazia, defendida
por muitos autores, tem por base dois argumentos. Primeiro, a presença de um
período crucial para a aquisição da linguagem. Segundo, a existência de uma
competência inata, pressuposto núcleo duro do paradigma inatista, segundo o
qual, para aprender uma língua, bastaria estar imerso em uma comunidade
linguística e receber dela inputs
linguísticos cruciais.
Há,
na proposta bilíngue, uma falta de consenso com relação à aquisição da segunda
língua. Alguns autores defendem a ideia de que a língua de sinais deve ser
aprendida antes do português, devido à diferença estrutural das duas línguas e
visando ao desenvolvimento linguístico e cognitivo do surdo. Outros defendem
que as duas línguas devem ser aprendidas simultaneamente. Outros ainda defendem
que se deve ensinar apenas a modalidade escrita de língua portuguesa, e não a
oral. E, por fim, há aqueles que acreditam que se deve ensinar ao surdo ambas
as modalidades do português, o ensino da oralidade podendo ou não ser feito por
meio da leitura e da escrita. Essas diferentes propostas são resultado das
várias definições de surdo bilíngue. Derivam, pois, do conceito que se adota de
bilinguismo e de fato de que a aquisição é concebida como um ato individual, de
apropriação que se faz da língua.
Enquanto
não se considera que as implicações linguísticas estão relacionadas diretamente
às sociolinguísticas, pragmáticas, psicolinguísticas, neolinguísticas,
continua-se discutindo as abordagens para a surdez como se elas não surgissem
das possibilidades sociocognitivas do surdo em adquirir língua. Como se o processo fosse o inverso: a
abordagem educacional decide que língua o surdo pode/deve usar. Acrescento que
isso tem consequências diretas no trabalho terapêutico desenvolvido com os
surdos. É por isso que a discussão do bilinguismo na surdez deve ultrapassar o
“método bilíngue” e concentrar-se na discussão sobre o funcionamento da(s)
língua(s).
Texto
retirado do livro de: SANTANA, Ana Paula. Surdez
e Linguagem: Aspectos e implicações neolinguísticas. São Paulo:
Plexus,2007. 165 p.
Realmente Francisca, os pais devem possibilitar à criança meios de adquirir tais línguas, pois, a proposta bilíngue traz uma grande contribuição para o desenvolvimento da criança sendo fundamental, para isso, que as atividades realizadas sejam adaptadas conforme suas necessidades.
ResponderExcluirÓtimo Texto.Principalmente por levantar a questão: o funcionamento das línguas. Não sou grande conhecedora, mas, acredito que a necessidade de comunicação fala mais alto e por isso temos a LIBRAS. Se queremos incluir quem deve se adaptar ao que: o surdo ao restante da sociedade ou a sociedade aos surdos??? Obviamente a segunda opção é a válida!
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