quarta-feira, 16 de outubro de 2013

UM ESTRANHO DENTRO DE VOCÊ




Explique isso. Você é um médico e uma de suas pacientes, uma mulher de 52 anos, vem procura-lo muito preocupada. Os testes revelaram coisas inacreditáveis sobre dois de seus três filhos. Embora ela os tenha concebido naturalmente com seu marido, os testes confirmaram que ele era realmente o pai, mas ela não era a mãe biológica das crianças. Era como se ela tivesse dado a luz filhos de outra pessoa.
            Essa questão intrigante é um caso autentico enfrentado pela Dra.Margot Kruskall, de Boston, Massachusetts. A paciente, a quem chamaremos Jane, precisava de um transplante de rim e sua família fez testes para descobrir quem poderia ser o doador mais indicado. Quando os resultados chegaram, Jane esperava boas noticias, mas recebeu uma verdadeira “martelada”: uma carta explicava que dois dos filhos não podiam ser seus. O que estava acontecendo?
            Levou dois anos até que a Dr. Kruskall e sua equipe desvendassem o quebra cabeça. Eles descobriram que Jane era uma quimera, uma mistura de duas pessoas-duas gêmeas não idênticas- que se haviam fundido no útero de sua mãe, originando uma pessoa só. Algumas partes do corpo de Jane eram provenientes de uma gêmea, e outras partes da outra. Pode parecer bizarro, mas Jnae não é um caso isolado. Desde então, mais de trinta casos de quimerismo semelhante já foram encontrados e há provavelmente outros que nunca serão descobertos [...]
            De inicio, o caso de Jane deixou confusa a Dra. Kruskall. Os resultados dos primeiros testes, feitos em células do sangue, baseavam-se na identificação de genes do chamado “complexo HLA” [do inglês Human Leukocyte Antigen], que codificavam vários tipos de proteínas que atuam na imunidade, incluindo proteínas de superfície celular que o sistema imunitário usa para distinguir os tecidos do próprio corpo de materiais estranhos. Há centenas de versões diferentes, ou alelos, de cada gene HLA; por causa disso, a combinação desses alelos em cada pessoa é quase única. Mas, como os genes estão agrupados no cromossomo 6, eles tendem a ser herdados juntos, em um bloco denominado haplótipo. Todas as pessoas herdam dois haplótipos HLA, um da mãe e outro do pai.
            Médicos especialistas em transplante sabem que quanto mais semelhantes duas pessoas são quando ao haplótipo HLA, menor o risco de o órgão transplantado ser rejeitado. Se você precisa de um transplante, o mais óbvio é procurar pessoas com haplótipo HLA semelhante entre seus parentes. Seus irmãos por exemplo, tem ¼ de chance de ter exatamente os mesmos haplótipos HLA que você, enquanto seus filhos têm cerca de 50% de chance.
            Confrontada com os resultados bizarros dos testes, a equipe da Dra.Kruskall pesquisou novamente os genes HLA de Jane e de seus familiares. Eles identificaram os haplótipos HLA de Jane como 1 e 3. O marido de Jane tinha haplótipos 5 e 6. E os novos testes dos três filhos confirmaram que os exames originais estavam corretos: os três apresentavam o haplótipo do pai, mas apenas um tinha o haplótipo de Jane. Os outros dois filhos tinham um haplótipo desconhecido, denominado tipo 2.
            A interpretação óbvia era que Jane não era a mãe biológica de dois filhos, concebidos naturalmente. Como isso era possível? Uma possibilidade era que os garotos tivessem sido trocados acidentalmente na maternidade, mas a chance de isso ter ocorrido com ambos era muito pequena. Além disso ambos tinham o mesmo haplótipo que o pai, o que seria praticamente impossível se a troca tivesse ocorrido.
                            Sem resposta para o problema, a Dra. Kruskall enviou seus resultados a vários colegas, perguntando como poderiam ser explicados. Logo pesquisadores do mundo inteiro debruçaram-se sobre a questão. “obtive um grande numero de explicações plausíveis”, disse ela. Um dos consultados sugeriu que Jane ter feito secretamente um tratamento de reprodução assistida usando óvulos de mulheres doadoras. Outro especulou que o esperma do marido pudesse ter sido usado para fertilizar óvulos da irmã de Jane.
            As sugestões levaram a equipe a testar os haplótipos HLA de outros membros da família de Jane, descobrindo que os irmãos dela apresentavam o misterioso haplótipo 2, o que sugeria que os dois filhos de Jane realmente estavam relacionados a ela de algum jeito. “Foi isso o que nos encorajou a prosseguir”, disse a Dra.Kruskall.
            De onde os haplótipos dos filhos teriam vindo? Como o teste de células do sangue de Jane não havia fornecido resposta, a equipe pesquisou o DNA de outros tecidos, incluindo os da glândula tireóidea, da boca e do cabelo. O que eles descobriram foi surpreendente: alguns tecidos tinham haplótipos 1 e 3, e outros, haplótipos 2 e 4. O corpo de Jane era constituído de tipos distintos de células. Só havia uma conclusão possível: Jane era a mistura de duas pessoas diferentes.
            A Dra.Kruskall acha que a melhor explicação para isso é que a mãe de Jane concebeu duas gêmeas não-idênticas, que se fundiram nos estágios embrionários iniciais produzindo um único embrião. Em termos médicos, Jane era uma quimera tetragamética, cujo corpo era formado por duas linhagens distintas de células, derivadas de quatro gametas, dois óvulos e dois espermatozoides.
            Por alguma razão, células de apenas uma das gêmeas formavam o sangue de Jane, usado nos primeiros testes. Em outros tecidos, inclusive nos ovários, conviviam células das duas linhagens. Um dos filhos originou-se de um óvulo de uma linhagem celular e dois originaram-se de óvulos da outra linhagem [...]

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