Explique
isso. Você é um médico e uma de suas pacientes, uma mulher de 52 anos, vem
procura-lo muito preocupada. Os testes revelaram coisas inacreditáveis sobre
dois de seus três filhos. Embora ela os tenha concebido naturalmente com seu
marido, os testes confirmaram que ele era realmente o pai, mas ela não era a
mãe biológica das crianças. Era como se ela tivesse dado a luz filhos de outra
pessoa.
Essa questão intrigante é um caso autentico enfrentado
pela Dra.Margot Kruskall, de Boston, Massachusetts. A paciente, a quem chamaremos
Jane, precisava de um transplante de rim e sua família fez testes para
descobrir quem poderia ser o doador mais indicado. Quando os resultados
chegaram, Jane esperava boas noticias, mas recebeu uma verdadeira “martelada”:
uma carta explicava que dois dos filhos não podiam ser seus. O que estava
acontecendo?
Levou dois anos até que a Dr. Kruskall e sua equipe
desvendassem o quebra cabeça. Eles descobriram que Jane era uma quimera, uma
mistura de duas pessoas-duas gêmeas não idênticas- que se haviam fundido no
útero de sua mãe, originando uma pessoa só. Algumas partes do corpo de Jane
eram provenientes de uma gêmea, e outras partes da outra. Pode parecer bizarro,
mas Jnae não é um caso isolado. Desde então, mais de trinta casos de quimerismo
semelhante já foram encontrados e há provavelmente outros que nunca serão
descobertos [...]
De inicio, o caso de Jane deixou confusa a Dra. Kruskall.
Os resultados dos primeiros testes, feitos em células do sangue, baseavam-se na
identificação de genes do chamado “complexo HLA” [do inglês Human Leukocyte
Antigen], que codificavam vários tipos de proteínas que atuam na imunidade,
incluindo proteínas de superfície celular que o sistema imunitário usa para
distinguir os tecidos do próprio corpo de materiais estranhos. Há centenas de
versões diferentes, ou alelos, de cada gene HLA; por causa disso, a combinação
desses alelos em cada pessoa é quase única. Mas, como os genes estão agrupados
no cromossomo 6, eles tendem a ser herdados juntos, em um bloco denominado
haplótipo. Todas as pessoas herdam dois haplótipos HLA, um da mãe e outro do
pai.
Médicos especialistas em transplante sabem que quanto
mais semelhantes duas pessoas são quando ao haplótipo HLA, menor o risco de o órgão
transplantado ser rejeitado. Se você precisa de um transplante, o mais óbvio é
procurar pessoas com haplótipo HLA semelhante entre seus parentes. Seus irmãos
por exemplo, tem ¼ de chance de ter exatamente os mesmos haplótipos HLA que
você, enquanto seus filhos têm cerca de 50% de chance.
Confrontada com os resultados bizarros dos testes, a
equipe da Dra.Kruskall pesquisou novamente os genes HLA de Jane e de seus
familiares. Eles identificaram os haplótipos HLA de Jane como 1 e 3. O marido
de Jane tinha haplótipos 5 e 6. E os novos testes dos três filhos confirmaram
que os exames originais estavam corretos: os três apresentavam o haplótipo do
pai, mas apenas um tinha o haplótipo de Jane. Os outros dois filhos tinham um
haplótipo desconhecido, denominado tipo 2.
A interpretação óbvia era que Jane não era a mãe
biológica de dois filhos, concebidos naturalmente. Como isso era possível? Uma possibilidade
era que os garotos tivessem sido trocados acidentalmente na maternidade, mas a
chance de isso ter ocorrido com ambos era muito pequena. Além disso ambos
tinham o mesmo haplótipo que o pai, o que seria praticamente impossível se a troca
tivesse ocorrido.
Sem
resposta para o problema, a Dra. Kruskall enviou seus resultados a vários
colegas, perguntando como poderiam ser explicados. Logo pesquisadores do mundo
inteiro debruçaram-se sobre a questão. “obtive um grande numero de explicações
plausíveis”, disse ela. Um dos consultados sugeriu que Jane ter feito
secretamente um tratamento de reprodução assistida usando óvulos de mulheres
doadoras. Outro especulou que o esperma do marido pudesse ter sido usado para
fertilizar óvulos da irmã de Jane.
As sugestões levaram a equipe a testar os haplótipos HLA
de outros membros da família de Jane, descobrindo que os irmãos dela
apresentavam o misterioso haplótipo 2, o que sugeria que os dois filhos de Jane
realmente estavam relacionados a ela de algum jeito. “Foi isso o que nos
encorajou a prosseguir”, disse a Dra.Kruskall.
De onde os haplótipos dos filhos teriam vindo? Como o
teste de células do sangue de Jane não havia fornecido resposta, a equipe
pesquisou o DNA de outros tecidos, incluindo os da glândula tireóidea, da boca
e do cabelo. O que eles descobriram foi surpreendente: alguns tecidos tinham
haplótipos 1 e 3, e outros, haplótipos 2 e 4. O corpo de Jane era constituído de
tipos distintos de células. Só havia uma conclusão possível: Jane era a mistura
de duas pessoas diferentes.
A Dra.Kruskall acha que a melhor explicação para isso é
que a mãe de Jane concebeu duas gêmeas não-idênticas, que se fundiram nos estágios
embrionários iniciais produzindo um único embrião. Em termos médicos, Jane era
uma quimera tetragamética, cujo corpo era formado por duas linhagens distintas
de células, derivadas de quatro gametas, dois óvulos e dois espermatozoides.
Por alguma razão, células de apenas uma das gêmeas
formavam o sangue de Jane, usado nos primeiros testes. Em outros tecidos,
inclusive nos ovários, conviviam células das duas linhagens. Um dos filhos
originou-se de um óvulo de uma linhagem celular e dois originaram-se de óvulos
da outra linhagem [...]